
Iniciativa uniu indígenas e extrativistas em um intercâmbio de experiências ao longo do rio Juruá
Nove mulheres indígenas Paumari, de diferentes aldeias no município de Tapauá (AM), enfrentaram uma longa jornada de barco para protagonizar um momento histórico no fortalecimento do manejo sustentável do pirarucu. Elas integraram a “Caravana das Mulheres Manejadoras de Pirarucu”, ação inédita que percorreu comunidades ao longo do rio Juruá, reunindo mulheres indígenas e extrativistas em um rico intercâmbio de experiências.
Promovida pela Associação Indígena do Povo das Águas (AIPA) e pela Associação das Mulheres Agroextrativistas do Médio Juruá (ASMAMJ), com apoio da Operação Amazônia Nativa (OPAN), a caravana faz parte das ações viabilizadas pelo Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologia Social. A iniciativa reconheceu, em 2024, o manejo desenvolvido pelo povo Paumari como uma das tecnologias sociais vencedoras da 12ª edição, consolidando uma parceria com a Fundação Banco do Brasil e garantindo recursos para sua ampliação e fortalecimento.
Saberes que empoderam os territórios Médio Juruá e Paumari do rio Tapauá
A caravana percorreu comunidades extrativistas na região do Médio Juruá. Com programação diversa, os encontros trataram de temas como a atuação das mulheres no manejo, estratégias de organização comunitária e geração de renda, além de promover a troca de saberes sobre técnicas de evisceração do pirarucu.
Além das Paumari do rio Tapauá, participaram mulheres das Reservas Extrativistas (Resex) do Baixo e Médio Juruá e da área do Acordo de Pesca do Baixo Carauari, abrangendo os municípios de Juruá e Carauari. Representantes de diversas instituições que apoiam o manejo também estiveram presentes.
A troca de conhecimentos das mulheres com diferentes culturas e histórias dos territórios — Terra Indígena, Resex e área de Acordo de Pesca — compôs o evento, enriquecendo o diálogo e fortalecendo as múltiplas formas de organização social das mulheres manejadoras em suas comunidades. “Fortalecer nossas bases, que são nossas comunidades e territórios, é um dos grandes objetivos da caravana. Uma vez que nossos territórios estejam empoderados socialmente, todo mundo pode ser empoderado, principalmente nós mulheres”, refletiu Rosângela Cunha, presidente da ASMAMJ.
Encontros comunitários
A caravana realizou encontros nas comunidades São Raimundo, na Resex Médio Juruá, e Lago Serrado, na área de Acordo de Pesca do Baixo Carauari. Eliane Farias Canuto, conselheira da comunidade São Raimundo, abriu o diálogo destacando a força e relevância das mulheres no manejo. “Eu acredito que tudo que a gente queira fazer a gente tem capacidade de fazer e o manejo veio mostrar isso para a gente. Hoje em dia, se as mulheres não estiverem no manejo, não existe manejo”, destacou. A afirmação de Eliane é literal: na comunidade, elas representam 49% das pessoas envolvidas na atividade.
Já na comunidade Lago Serrado, situada na área do Acordo de Pesca do Baixo Carauari, a recepção foi conduzida por Fernanda Moraes, presidenta da Associação dos Moradores Agroextrativistas do Baixo-Médio Juruá (AMAB), e contou com a participação dos alunos da Escola Manoel de Souza Moraes — símbolo da luta coletiva travada pela comunidade em prol da educação. “No início de toda a história do manejo não se imaginaria um momento como esse, de mulheres saindo em caravana e juntando força umas com as outras, partilhando suas experiências. A gente estar aqui hoje é uma grande conquista. A gente luta por algo que é nosso de direito”, declarou Fernanda.
Nos diálogos, as mulheres relataram como a atividade do manejo do pirarucu possibilitou o acesso direto a recursos financeiros e a tomada de decisões relacionadas à pesca, questões antes tratadas quase exclusivamente pelos homens. “Foi com o dinheiro que ganhei no manejo que pude realizar o meu sonho de ter um telefone rural e assim poder me comunicar com as pessoas”, narrou, emocionada, Ivaneide Lima, manejadora da comunidade Botafogo e conselheira da Associação dos Trabalhadores Rurais de Juruá (ASTRUJ).
Diálogos em movimento
Durante o trajeto entre as comunidades, os diálogos continuaram a bordo, reunindo representantes de associações locais e organizações de apoio que fortalecem o manejo e a organização social no Médio Juruá. Além da AIPA, ASMAMJ e OPAN, também participaram instituições chave como a Associação dos Produtores Rurais de Carauari (Asproc), o Instituto Juruá e o Fundo de Repartição de Benefícios do Médio Juruá, que apresentaram o contexto histórico de décadas de mobilização que faz da região uma referência em protagonismo comunitário.
“O Médio Juruá se torna a fortaleza que é hoje porque tem toda essa turma lutando pelas comunidades, não é só a Asproc, é um conjunto de associações lutando pela melhoria de vida das pessoas”, destacou José da Silva Gomes, colaborador da Associação dos Produtores Rurais de Carauari (Asproc) e coordenador do manejo de lagos do Médio Juruá.
Outras conexões
A Caravana das Mulheres Manejadoras faz parte de um movimento mais amplo de valorização da participação feminina no manejo sustentável do pirarucu, tema que vem ganhando cada vez mais espaço entre associações e organizações que atuam no manejo. Em 2023, o Coletivo do Pirarucu criou o grupo de trabalho “Gênero, Juventudes e Intersecções”, com foco inicial nas mulheres, promovendo em 2024 seu primeiro encontro com a presença das indígenas Paumari.
Esses intercâmbios têm fortalecido a compreensão sobre as diversas formas de organização comunitária e ampliado o protagonismo feminino em todas as etapas do manejo. A partir das trocas entre diferentes territórios, surgem novas estratégias coletivas e práticas colaborativas. “Percebemos que as conquistas das comunidades são fruto da união das pessoas. Voltamos mais fortes para levar novos conhecimentos e força de união para o nosso povo”, avaliou Ana Paula Paumari, secretária da AIPA.
Foto: Talita Oliveira